O Reinado de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e o Juizado de São Benedito são festejos de negros escravos do século XVIII, que ocorrem, todos os anos, em Pirenópolis/Goiás durante a festa do Divino Espírito Santo. Não há uma data precisa da junção destas festividades, mas sabe-se  que São Benedito e Nossa Senhora do Rosário são comemorados em Pentecostes desde final do século XIX.

Os referenciais ritualísticos que concorrem para a estruturação desses festejos são obtidos no catolicismo popular, tendo como centro de sua realização dois dias no calendário das comemorações ao Divino Espírito Santo: segunda-feira dedicada a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e terça-feira a São Benedito.

No domingo que antecede o domingo de Pentecostes, após a novena do Divino, tem-se o ritual de benzimento das bandeiras destes dois santos realizado na igreja da Matriz.  Em seguida essas bandeiras são conduzidas por um pequeno cortejo até à Igreja do Bonfim e levantadas nos mastros acompanhadas da queima das fogueiras. Nas manhãs de segunda e terça-feria, após o domingo do Divino, tem-se os cortejos do Reinado e Juizado, as missas e a farta distribuição de “doces” (salgados e/ou doces de frutas) e bebidas, principalmente os licores. Tudo isso acompanhado pelas bandeiras dos santos homenageados, as insígnias (coroas de prata, quadros, prato do andador e as varas de madeira e de prata dos Juízes), Banda de Couro – banda típica do Reinado e Juizado -, Banda de Música, Congada, Congos e os acompanhantes.

O Reinado de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos teve como rei, em 2009, o jovem Apoema Pireneus de Oliveira e como rainha, sua tia Colandi Carvalho Oliveira; o Juizado teve como juiz e juíza do cordão Maurício Imenes e sua esposa Gislene da Trindade Imenes. Estes são os responsáveis pela realização da farta distribuição de “comes e bebes”,  sendo comum ter até quatro comemorações quando rei, rainha, juiz e juíza não têm parentesco ou não se juntam para organizar a recepção  (no caso deste ano foram duas recepções). 

As celebrações dos festejos do Reinado e do Juizado em Pirenópolis são configuradas em três momentos rituais, que indicam os lugares de realização da festa: as casas do rei, rainha, juiz e juíza, as ruas por onde os cortejos passam e a Igreja.Na segunda-feira pela manhã, o Reinado saiu da casa do juiz e da juíza de São Benedito e, em cortejo pelas ruas da cidade, buscou o rei e a rainha de Nossa Senhora do Rosário em sua residência. O cortejo ampliado seguiu para igreja da Matriz, onde aconteceu a missa em homenagem à Nossa Senhora do Rosário. Ao final da missa, o cortejo, contando neste momento com centenas de partícipes, foi para a casa do rei e da rainha de Nossa Senhora do Rosário para a festa de distribuição de doces, terminando com a devolução do juiz e da juíza de São Benedito às suas casas.  Na terça-feira o ritual se repetiu homenageando São Benedito e invertendo a ordem dos quadros, pois, foram o rei e a rainha de Nossa Senhora do Rosário que buscaram os componentes do Juizado.

As Irmandades de Nossa do Rosário dos Pretos e a de São Benedito,  compostas em sua maioria por negros escravos e forros, eram as responsáveis pela manutenção e organização das atividades na Igreja de Nossa Senhora dos Pretos – demolida na década de 1940. Para se chegar a rei, rainha, juiz ou juíza tinha que ser aprovado pelas mesas diretoras das irmandades e pagar em ouro, as chamadas jóias, aos santos homenageados. Esses participantes adquiriam ainda o direito a um funeral como o dos brancos e eram enterrados dentro da igreja. Desde a década de 1990 o Reinado e o Juizado são organizados por Geraldo Herculano de Oliveira, filho de Jackson Basílio de Oliveira, que presidiu as Irmandades nos seus últimos anos de atuação – final da década de 1960 – por isso não há sorteios e nem o cumprimento da hierarquia das varas de madeira e prata, que eram decididas pelas mesas diretoras das Irmandades.

Mesmo não existindo mais a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e as irmandades, os festejos, na atualidade, continuam ligados à tradição local, contando em sua maioria, com a presença de pirenopolinos que têm identificação individual e até coletiva com o momento. Os partícipes são de diversas classes sociais que, mesmo não tomando parte como atores centrais, rei, rainha, juiz ou juíza,  contribuem para a realização e a ampliação dos festejos.

As imagens são dos festejos de 2009 e foram fotografadas por Tereza Caroline Lôbo.

Texto:   Tereza Caroline Lôbo

              João Guilherme da Trindade Curado

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